terça-feira, 24 de maio de 2016

BENDITO ESPECTRO | Autistas de verdade e autistas de mentira



Acha que está leve? Tente carregar sozinho (Google Imagens)


Talvez você já tenha conhecido ou ouvido falar de uma criança com pouca ou quase nenhuma habilidade social, atraso de linguagem ou ausência de comunicação verbal, que não aponta com o dedo, que balança o corpo para a frente e para trás, não mantém contato visual e possui notável déficit intelectual. Alguém lhe disse que essa criança é autista - quem sabe tenha lhe dito até mais, algo como, autista clássico de baixo funcionamento. Pode ser que você não tenha entendido exatamente o que foi dito, porém, guardou aquela imagem consigo e acredita até hoje que todas as crianças em investigação ou com diagnóstico de TEA/autismo são como aquele menino. Eu queria que você soubesse uma coisa: você está errado. Contudo, eu gostaria mesmo é que você soubesse o porquê do seu erro de julgamento. 

Assim que iniciei a investigação de Bento para TEA/autismo, um profissional da área me disse o seguinte: se colocarmos mil crianças autistas nessa sala, serão mil crianças diferentes; e mesmo quando você ligá-las por algumas características, vai ver que elas se colocarão distantes na variação e intensidade delas. 

Sou o tipo da pessoa que esquece tudo com facilidade, menos colocações importantes e aquela me marcou a ferro. Eu conhecia uma criança com autismo. E ela tinha hábitos que meu filho não tinha: enfileirava carros, andava na ponta dos pés, quase não olhava nos olhos e falava repetidamente sobre as mesmas coisas. Logo vi as diferenças - como um ato de defesa - e suprimi as semelhanças - que já existiam e com o passar do tempo ficaram mais evidentes. 

Ninguém venha me dizer que procurou um neurologista ou um psiquiatra infantil porque ia tudo bem com o filho. Algo fora do comum precisou acontecer e mesmo diante do sentimento de negação que passa pela casa de todos nós em algum momento, admiro quem busca respostas com especialistas e não apenas fica em casa construindo justificativas para dar aos parentes, amigos, nas festinhas e nos lugares públicos, sobre comportamentos “estranhos” da sua criança. 

Semana passada fiquei muito sensibilizada com o relato de uma mãe que me procurou e se disse cansada da incompreensão dentro da própria família. Um dos absurdos que ela precisou ouvir foi: “se você acha que seu filho tem autismo, você precisa conhecer um autista de verdade”. Essa expressão “autista de verdade” me chocou muito, pois, além de insensível, é excludente. Coloca as muitas crianças que não compilam todos os sinais do autismo clássico como “autistas de mentira”. Eu sei que se trata de uma opinião, não de uma classificação científica, mas enquanto tivermos pessoas subjugando as características do autismo dentro da própria família, haverá interferência no ideal de desenvolvimento da criança que, sem merecer, tem suas dificuldades desacreditadas.

Eu acredito que nenhuma mãe quer ter um filho autista porque “está na moda”. Autismo não é brincadeira e pesa uma tonelada na versão mais leve. Quando não existe um vínculo materno forte e uma base de sustentação familiar envolvendo a criança vai ser muito penoso para todos. Só por isso as pessoas já deveriam pensar mil vezes antes de sair por aí proclamando absurdos em direção a mãe que está na batalha diária no sistema público ou arroxando para o último buraco do cinto o orçamento familiar para honrar com despesas das terapias que custam os olhos da cara.
E sabe aquele menino do início do texto, com tantos prejuízos perceptíveis a olho nu? Eu não tenho como saber se ele recebeu estimulação suficiente e na idade adequada, mas, muitas crianças autistas não desenvolvem seu potencial justamente por terem nascido em famílias que não têm entendimento ou sensibilidade para compreender que suas dificuldades não foram inventadas pela mãe, pelos médicos, pela escola ou pela comunidade. São e sempre serão de verdade.
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Queremos agradecer de coração a autorização da publicação desse post em nosso Portal. Muito obrigada, Isolda! <3 

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3 comentários:

  1. Obrigada por compartilhar e pela referência. Junto com as palavras TEA/autismo vem uma porção de medos. Talvez o mais determinante deles seja o medo do desconhecido. Precisamos conhecer melhor, onde entra o conhecimento, o medo do infundado perde espaço. Beijos.

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  2. É exatamente a História verdadeira da minha vida com minha filha portadora do TEA.

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